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A mostrar mensagens de abril, 2019

Há pessoas assim...

Era assim, absolutamente incapaz de sentir. Sobrevoava a realidade, ouvia queixumes e provocava lágrimas ou sorrisos. Mas era incapaz de chorar, de sorrir, de sentir. Tinha a proximidade daqueles que porque tão distantes suscitavam desabafos e emanavam confiança. Inexpressiva, ouvia e falava como se nada a surpreendesse ou chocasse.  Vivia narcotizada pela ausência de si própria. Essa capacidade dava-lhe um poder imenso. Conseguia manipular os outros como um cirurgião manejando a palavra bisturi de forma oportuna e certeira. Alguns admiravam-na imensamente. Outros temiam-na. E finalmente, poucos, muito poucos, ficavam surpreendidos com a forma como conjugava uma genialidade transbordante e um deserto afetivo asfixiante.

Dás-me a receita?

Quando era adolescente, não gostava de dar as receitas dos bolos que fazia. Eram “receitas de família”, por isso sentia que partilha-las era perdê-las. Com o tempo percebi que era mesmo ao contrário, porque cada vez que fazia os bolos da avó, da tia, de uma amiga cujo contacto entretanto perdi, ou até de pessoas que não conheci (mas que eram amigos de quem me deu a receita- como a tarte da Celeste) recordava essas pessoas, evocava-as pelos sabores que nos deixaram, era como se elas estivessem presentes à/ na mesa em dias de festas. E nos outros dias também. Perpetuamo-nos também nas receitas que partilhamos. E até por estas bandas há pessoas que estão já perpetuamente na minha mesa e no meu livro de receitas!