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As Escolas do Meu Coração- O Cerco do Porto

 Depois de, com o meu último post, receber já tantas e tão carinhosas mensagens daqueles que fizeram caminho comigo naquela que também é escola do meu coração, o Cerco, dei comigo a somar recordações em catadupa. Começando pelo início, mentiria se dissesse que não tive receio. Ou que foi muito fácil e tranquilo. Estava num TEIP que por algum motivo o era. Entrar com 11 turmas foi logo um desafio. Só não tinha duas turmas de 9º, todo o 3º ciclo estava comigo. Vantagens: adquiri um vasto conhecimento dos alunos, e pude conhecer a escola antes do choque com os Cursos de Educação e Formação- que não eram desafio menor. Isso e começar a desejar um bom fim-de-semana às 10 horas de segunda-feira (ter as turmas uma vez por semana tem destas coisas). No ano seguinte, quando comecei a trabalhar também com CEFs, parte dos alunos já me conheciam de outro contexto, o que facilitou bastante. Houve turmas muito complicadas, houve momentos em que me pareceu viver numa realidade paralela. Mas aprendi a

As Escolas do Meu Coração- Freamunde

  O que foi que me fez, pela primeira vez, falar de uma escola como “a escola do meu coração”? Foram muitos anos a saltar de escola em escola, sabendo que em junho nos despedíamos e, em setembro (a correr bem), a saga dos mini-concursos levar-me-ia para outras paragens. Ter a ilusão de poder continuar mais um ano no mesmo local era agudizar a dor de uma separação que fazia parte do processo. Quando fiquei colocada nela, o meu marido levou-me a ver onde ficava. Basicamente no fim do mundo. No regresso fomos comemorar. Afinal, fora a primeira vez que ficara colocada na segunda fase, em final de agosto, e já não passava parte de setembro desempregada. Nessa altura não havia subsídio de desemprego para os professores, nem indemnizações por caducidade de contratos. Foi uma comemoração estranha, com lágrimas a pingar sobre o molho de francesinha. Nunca imaginaria que essa seria a primeira escola do meu coração. Com direito a transportes múltiplos para lá chegar até encontrar depois colegas f

Das guerras que ficaram quando a guerra acabou

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A Guerra no ultramar, uma página de um manual de nono ano. País multirracial e pluricontinental, movimentos de independência das colónias, para Angola e com força, estatística dos mortos, feridos e gastos de guerra. Independência das colónias, um parágrafo para o regresso dos retornados e siga. Está feito. Nas aulas partilhamos relatos (cada vez menos, que quem passou pela guerra foi morrendo ou esquecendo, e também há vergonhas que se escondem, e silêncios eternos, que a guerra é como Las Vegas mas em mau- o que lá aconteceu, fica lá). Ainda há os álbuns de fotografias, com as fotos tradicionais com as “namoradas de lá”, dos soldados de braço dado, os aerogramas, as histórias de caça, que parecem limpar o outro lado da guerra. Volta e meia relatos diferentes. Aqueles que levantam a família a meio da noite porque “eles vêm aí”, o familiar que se escondia debaixo da mesa quando o frigorífico fazia um ruído estranho, os estremecimentos quando ouviam helicópteros. Lembro-me agora do homem
Meus queridos alunos Ao longo de todos os dias, mais do que ensinar-vos acontecimentos, sempre desejei dar-vos ferramentas para que pudessem pensar. Pensar o passado, compreender o mundo. E mais que isso, que aprendessem a agir. A serem a personagem principal na vossa História e ativos construtores da história comum. Nestes dias tão difíceis vivemos numa alienação estranha em relação à realidade. Como se não houvesse tempo a perder. E todos os professores trataram de enviar trabalhos, criar experiências on-line, criar grupos, múltiplas plataformas. Não estavam de férias, e tiveram que o provar assim. Quem colocou reticências era apelidado de pouco profissional, ou "preguiçoso". Não estavam de férias. Pois não. Estamos em estado de emergência. E penso que haverá professores a pensar que irão ganhar uma medalha de "ôro" por obrigarem toda a gente a trabalhar arduamente durante um estado de emergência. E se calhar até vão. Afinal, é mais comum receberem medalhas os

Há pessoas assim...

Era assim, absolutamente incapaz de sentir. Sobrevoava a realidade, ouvia queixumes e provocava lágrimas ou sorrisos. Mas era incapaz de chorar, de sorrir, de sentir. Tinha a proximidade daqueles que porque tão distantes suscitavam desabafos e emanavam confiança. Inexpressiva, ouvia e falava como se nada a surpreendesse ou chocasse.  Vivia narcotizada pela ausência de si própria. Essa capacidade dava-lhe um poder imenso. Conseguia manipular os outros como um cirurgião manejando a palavra bisturi de forma oportuna e certeira. Alguns admiravam-na imensamente. Outros temiam-na. E finalmente, poucos, muito poucos, ficavam surpreendidos com a forma como conjugava uma genialidade transbordante e um deserto afetivo asfixiante.

Dás-me a receita?

Quando era adolescente, não gostava de dar as receitas dos bolos que fazia. Eram “receitas de família”, por isso sentia que partilha-las era perdê-las. Com o tempo percebi que era mesmo ao contrário, porque cada vez que fazia os bolos da avó, da tia, de uma amiga cujo contacto entretanto perdi, ou até de pessoas que não conheci (mas que eram amigos de quem me deu a receita- como a tarte da Celeste) recordava essas pessoas, evocava-as pelos sabores que nos deixaram, era como se elas estivessem presentes à/ na mesa em dias de festas. E nos outros dias também. Perpetuamo-nos também nas receitas que partilhamos. E até por estas bandas há pessoas que estão já perpetuamente na minha mesa e no meu livro de receitas!
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