Meus queridos alunos

Ao longo de todos os dias, mais do que ensinar-vos acontecimentos, sempre desejei dar-vos ferramentas para que pudessem pensar. Pensar o passado, compreender o mundo. E mais que isso, que aprendessem a agir. A serem a personagem principal na vossa História e ativos construtores da história comum.
Nestes dias tão difíceis vivemos numa alienação estranha em relação à realidade. Como se não houvesse tempo a perder. E todos os professores trataram de enviar trabalhos, criar experiências on-line, criar grupos, múltiplas plataformas. Não estavam de férias, e tiveram que o provar assim. Quem colocou reticências era apelidado de pouco profissional, ou "preguiçoso". Não estavam de férias.
Pois não. Estamos em estado de emergência. E penso que haverá professores a pensar que irão ganhar uma medalha de "ôro" por obrigarem toda a gente a trabalhar arduamente durante um estado de emergência. E se calhar até vão. Afinal, é mais comum receberem medalhas os que põem os outros a trabalhar (sob a falsa simpatia do "faz tu isso, tu é que gostas" ou do "tu és mesmo bom a fazer essas coisas"),  do que os que realmente trabalham. Os braços que sustentam a máquina.
Mas isto não interessa nada. Sei que vos pedi para verem um filme e responderem a uma série de questões de um guião. Vale a pena ver um filme de Charlie Chaplin, e de outro modo duvido que o vissem. A outros, pedi que me escrevessem uma viagem no tempo. Queria que tivéssemos viajado mais, mas estamos em final de período e a criatividade acusou isso mesmo. Outras viagens virão. Também houve quem tivesse como tarefa terminar trabalhos e enviá-los.
Mas nada disto faz sentido. Eu não sou do grupo das medalhadas, as minhas maratonas são outras, os meus valores também. E por isso, meus queridos, as tarefas deviam ter sido outras, desde o início. O que é que vos devia ter pedido?
-que telefonassem aos vossos avós, ou outros familiares, que estão sozinhos durante este periodo. Ou que falassem com eles, se viverem juntos. E pedissem que vos contassem histórias do passado (geralmente têm uma memória fabulosa dos tempos remotos), ou vos ensinassem aquela receita que fazem tão bem, ou uma cantiga, ou uma oração...Gravem as suas vozes, façam vídeos deles e com eles. Tanto património à vossa volta, bem melhor do que consultar no google...
-que ensinassem os vossos irmãos a lavar as mãos, tal como fizemos nas aulas, mas a sério. Fazer campeonatos das mãos mais limpinhas. E inventem jogos comuns.
-que dançassem, fizessem desenhos, inventassem músicas, tocassem um instrumento.
-que abrissem a janela, fechassem os olhos e ficassem ali, quietinhos, a respirar a brisa, sentindo os raios de sol na vossa pele, até conseguirem sentir o vosso coração a bater...
-que elaborassem uma lista de todas as coisas que querem fazer quando a quarentena acabar.
-que pegassem num livro, e lessem um bocadinho todos os dias
-que todos os dias dissessem uma coisa simpática aos que estão convosco
-que ... (vocês saberão dizer-me o que mais)
Este é o meu pedido de desculpa. Não posso dizer que, se isto continuar como parece, não falaremos de conteúdos. Mas tentarei que haja também algo de diferente para fazer, criar espaços para partilhas, compreender que todos teremos momentos complicados nos próximos tempos, e é o que conseguirmos fazer para atenuar isso que nos torna realmente pessoas.
Depois de ralharem porque os alunos andavam sempre a olhar para um ecran, os professores não podem condenar os alunos a horas a olhar para ecrans/monitores, não acham. Olhem mas é à volta, olhem para os vossos, e aproveitem todo o tempo que conseguirem com eles. Valorizem-nos. E cuidem-se!






Comentários

  1. Fantástico, querida amiga! Parabéns pela competência linguística e narrativa e..., acima de tudo, parabéns pela disponibilidade para escreveres, para partilhares.... Grande abraço!

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