Avô Domingos
Era
um homem vistoso. Alto, cabelos ondulados, louros, olhos muito azuis,
elegante. Mãos magras e nodosas. Nariz aquilino. Ao domingo vestia a
roupa de ver a Deus, e punha o chapéu preto da praxe. À semana,
trabalhava de sol a sol, entre as entregas de encomendas, as descargas
de camiões de cal, cimentos e tijolos, e os campos que também cultivava.
Na ausência de televisão, lia em voz alta as notícias
de jornal, para quem as quisesse ouvir. Era conhecido pelo nome de
família da esposa, e era a esposa quem decidia, fazia e desfazia. Não me
lembro de o ouvir reclamar. Levava-me à escola. Acompanhava-me ao
médico. Mais tarde, esperava-me de surpresa à porta da secundária- e
disso eu não gostava mesmo nada. Tinha uma certa aversão a rapazes, e
dava conselhos fantásticos como " parte-lhe a lousa na cabeça que eu
dou-te outra". Mas já não há lousas, avô. Respondia-lhe. E ele
retorquia: " então dá-lhes com o guarda chuva". Ficava fascinada quando o
via cortar vidro com o diamante ( seria ???). Ou quando abria o cofre
onde guardava papeladas, mas também anéis, e brincos, que eu via como
tesouros escondidos ( para onde terá ido o cofre?). Com o tempo começou a
ficar baralhado. Olhava-nos com um ar perdido, de quem não reconhecia o
que estava à sua volta. Embora mantivesse a meiguice. Dizia que era do
mês dos gatos. Fevereiro. É, diz o poeta que quando partimos, passam a
recordar-nos em dois dias: o do aniversário do nosso nascimento e o da
nossa morte. Mas aqueles de quem gostamos são recordados mais amiúde... (
Fevereiro, 2012)
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