Era uma vez um país...

Recuso-me a ver lados bons nesta austeridade toda. Aliás relativamente a estas últimas medidas, acho que ainda estou em negação, recuso-me a fazer contas, incomoda-me até pensar no assunto. Em modo de avestruz. Truz, truz! Nada.
Porém, não nego que vi muitas vezes quem padecesse do desencanto da fartura, sem dar valor a nada, empanturrados, enfartados, aborrecidos, entediados. O ter tira muitas vezes o que o querer tem de bonito. E ao dar-se,por exemplo, aos filhos tudo o que pedem, está a tirar-se- lhes o prazer da conquista. Quantas vezes o brinquedo cobiçado na loja ficou arrumado num canto, uma hora depois de chegar a casa? Quanto desperdício produzido por uma mentalidade consumista dos adultos?
Por outro lado continuo a ver quem ache que o estado tem que pagar tudo: os almoços, os livros, o material escolar dos filhos, e se puderem ainda desviam os apoios das crianças para gastos que deviam ser supérfluos mas se tornaram essenciais. Pessoas que trabalharam um ano na vida, e vivem de subsídios e apoios, sem fazerem o mínimo esforço para saírem dessa situação. E sei que parando esse apoio, os problemas sociais (roubos, agressões, mortes) cresceriam exponencialmente. Mas é justo que quem trabalha sustente quem nada quer fazer? Mais, é justo que quem se veja no desemprego ao fim de décadas de descontos receba menos do que quem sempre viveu de apoios?
Siga. Há quem compare esta crise com os tempos de Salazar. E há quem diga que na altura se vivia melhor. Não sei se padecemos de amnésia, se é burrice mesmo. Mas as pessoas só não se sentiam mais pobres porque não tinham com quem se comparar. Não havia roubos? Pois, ía-se roubar o quê? (ao que parece às vezes desapareciam umas galinhas, mas enfim)Vestiam 5 camisolas para enganar o frio, comiam pão com pão mergulhado em cevada, tudo era aproveitado, guardado, roupa cosida, colarinhos virados... Ser rico era ter terras, onde se trabalhava. Muito. Não havia férias. Ía-se à praia, com tacho enrolado em jornal para conservar o calor. Nem todos viviam assim, claro. Mas isto era a maioria. Que se espirrasse mais alto podia ir parar à Pide.
Na verdade o que mais custa é perceber que os cortes constantes são feitos sem se ter uma perspetiva holistica do que deles decorre. Pior, há conquistas importantes que Abril trouxe e se estão a perder a troco de nada. Melhor dizendo, a troco um empobrecimento generalizado. E contra isso todos devíamos fazer alguma coisa. Para não voltarmos a ser aquele país triste onde o pão era contado...

Comentários

  1. Reminiscências de um país que foi e já não é; criamos ou ajudamos a criar um país onde só existiam direitos. A própria Constituição não fala em deveres. Estamos a colher o que plantamos. Se era melhor no tempo de Salazar, não sei; o que eu sei é que com toda a liberdade, com todos os direitos e deveres (de alguns) estamos a caminhar para uma sociedade empobrecida, sem rumo e sem esperança. É o retrato de um país triste.

    ResponderEliminar
  2. Digamos que tocas no busílis da questão: de uma sociedade onde só havia direitos, agora passamos a uma em que alguns estão sobrecarregados de obrigações, enquanto outros continuam a fugir às mesmas...

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Também divagaram:

Mensagens populares deste blogue

As Escolas do Meu Coração- O Cerco do Porto

No meu tempo...