"Na saúde e na doença, até que a morte nos separe"

"Já não mantemos contacto porque eu não queria ser um fardo".Foi assim que ontem a ouvi, referindo-se ao fim do relacionamento com o namorado, relacionamento que esteve na origem do ato tresloucado do pai. Um pai louco, possessivo, que a baleou, e a deixou tetraplégica, a ela que tinha na altura 26 anos, médica a fazer a especialidade de gastro. Disse isto com um sorriso, uma luz que não sei de onde vinha. Pensei que a acreditar em santos, todos deviam ter olhar assim, cheio de brilho mesmo sem haver motivos (para além de estar viva) para isso.
Lembrei-me do caso de outra senhora (andaria pelos cinquenta) há uns anos atrás. Diagnosticada com uma doença degenerativa (esclerose múltipla, acho), fez questão de se divorciar porque não queria ser um peso para o marido. Incentivou-o a refazer a sua vida. E ele fez-lhe a vontade. Mas continuava a ser o seu melhor amigo, podia contar com ele sempre que precisasse. E isto era apresentado como mais uma prova do altruísmo e da bondade da senhora. E eu não resisto a uns pensamentos menos simpáticos em relação a tão abnegado marido.
Siga. Caso três. Mais uma vez uma senhora, pouco mais de trinta anos. Doença degenerativa, distrofia lateral amiotrófica. Galopante. Em meses as diversas funções foram parando. O andar. Poder pentar-se. Vestir-se. Limpar as próprias lágrimas. É, podia chorar, mas não podia limpar as suas lágrimas. E sabia que entretanto deixaria de conseguir engolir, e deixaria de respirar com autonomia, até que finalmente o coração parasse de bater. E isto foi dito pela própria, a uma amiga que me contou, emocionada. Já estava praticamente paralisada, quando foi internada de urgência. Para fazer um aborto. É, tinha entretanto engravidado. Sem conhecer pessoalmente o casal, dei comigo a questionar: como era possível, dadas as circunstâncias?!!!? Na altura alguém me disse que eu devia ver o "Fala com ela", de Almodovar. E eu vi. Fez-me mudar de ideias, mas só um bocadinho. Foram precisos três meses para que elas mudassem de vez. A senhora faleceu. E o marido estava em tratamento psiquiátrico porque queria (e tinha tentado) ter partido com ela. E dizia-me alguém que os conhecera: aquilo era um amor absoluto, era ele quem cuidava dela, lavava-a , vestia-a, penteava-a, pegava-a ao colo, falava com ela... Foram namorados até ao fim.
Eu sei, quando se diz que é " na alegria e na tristeza, na saúde e na doença" não se pensa nessas coisas, mas as palavras não estão lá à toa. E valia a pena pensar que quem não estiver preparado para as tempestades, é melhor que não embarque.

Comentários

  1. "Na alegria e na tristeza, na saúde e na doença... todos os dias da nossa vida! - ainda há vidas assim. É um amor verdadeiro, sentido, profundo no qual, ambos percorrem as mesmas vivências. As coisas boas e as adversidades são olhadas como mais uma etapa a percorrer (aliás, o casamento é isso mesmo). Não se pode desistir na primeira adversidade; há que analisar o que está mal e continuar. E, são os obstáculos da vida que tornam uma ligação mais forte (se o sentimento for verdadeiro). Hoje casa-se por razões várias... mas não há paciência para as dificuldades que surgem no dia a dia. Essa reflexão deveria ser feita enquanto se namoro (outra discussão que levaria horas). Não se namora para se conhecerem melhor; namora-se para ter uns bons momentos com alguém. Enfim, há que pensar: por vezes surgem complicações sérias; mas na maioria dos casos são pequenos arrufos que não foram devidamente explorados durante o período de namoro...

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  2. Eu sabia que ía gostar de ler o teu comentário! Mas deixaste-me de facto a pensar no namoro, na forma como cada vez mais ele é vivido...

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