No meu sapatinho

O meu Natal era o natal dos cheiros a fritos e a canela, do bacalhau cozido (de que não gostava nadinha, mas que acompanhado pelo molho de azeite fervido com alho e cominhos, até sabia bem...), da aletria, das rabanadas, de jogar cartas, ou ao rapa, à mesa com os meus pais, irmã e avós paternos, acompanhados pelos programas de Natal da RTP. Não havia cá presentes na árvore, ou se os havia não me lembro, havia sim um presépio com muitos personagens e musgo que se apanhava no quintal. Mas era também o Natal do sapatinho. De ir para a cama com a ansiedade do dia seguinte. Levantar a meio da noite e ir à cozinha. Chamar a minha irmã com um "Já chegou", e abrirmos as duas os nossos presentes. Os meus eram habitualmente livros e passava o resto da noite a ler. Lembro-me que era bem grande, vergonhosamente grande (dentro do meu metro e meio mais IVA... ) quando se decidiu lá em casa que não fazia sentido pôr o sapatinho. Fiquei mesmo triste. E no fundo sempre achei bonita essa tradição, das poucas que lamento não ter conseguido implementar juntos das minhas filhas. Passou a ser hábito encher a árvore de presentes, muitos presentes, que durante duas horas eram abertos, ajudadas por um Pai Natal cujas mãos lhes eram familiares. Tantos presentes que alguns acabavam guardados. Tantos presentes, que na primeira vez que pus o sapatinho à mais velha e lhe disse, de manhã: olha o que o Menino Jesus te trouxe!- ela em vez de reparar no embrulho, olhou e disse indiferente: uma bota... E por isso achei que não fazia sentido na ressaca de tanto presente, vir mais um presente no dia seguinte. (também me lembro do dia em que, mais tarde, "matei" o Pai Natal, ao dizer que de facto ele não existia.)
Talvez este Natal possa restaurar a tradição do presente no sapatinho em vez dos quatrocentos e cinquenta e cinco presentes que basicamente servem para enfartar as crianças... Ah, mas também era muito bom que nas escolas os professores se lembrassem de não perguntar: "então, o que recebeste no Natal"? E preferissem algo como: "o que é que existiu no teu Natal mas que não se vê, nem se compra, nem se vende"?

Comentários

  1. Em algumas famílias aqui na Irlanda é habitual o "Kris Kindle". CAda pessoa fica encarregue de comprar um presente para outro membro da família, designado por sorteio. Não há uma montanha de presentes baratos mas um presente decente. Este Natal sei o que não vai existir mas também sei o que vou ganhar. Ainda não é Natal e já saberia a resposta a essa pergunta... será "copiar"?

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