Às vezes lembro-me das crianças que fomos encontrando nos vários internamentos da Sofia. A Vanessa que nunca vi, sempre para lá do cortinado, alimentada por sonda, aspirada, sem ter quem a visitasse nem lar que a acolhesse. Tinha pais, mas não a iam visitar há algum tempo. O menino que não dormia e cuja mãe passava as noites a passear no corredor. Gostava de livros e ficava parado a ouvir-me falar. Eu lá ia dizendo à mãe que falasse com o seu menino. Ele ouvia, ele percebia porque tinha reações. Mesmo quando o efeito da medicação era evidente. De Vila Real, o pai só vinha ao fim de semana. A mãe estava com ele todos os dias. Esse pai que ficava surpreendido pela mãe de outro menino o deixar na cama e ir para a rua. "Está lá fora a falar com os carros"- dizia surpreendido. Parecia recusar-se a ver o que ela estava de facto a fazer. Depois havia uma menina que estava com a avó. Adorava a irmã. Gritava ao ver a mãe. Não sei se era da mãe, se das guardas que ficavam à porta quando a mãe entrava. Estava presa, saia para visitar a filha, cujo pranto me chocou quando teve alta e foi levada... Para junto da mãe. E havia a menina com fibrose cística. "Sabe o que é?", perguntou-me o pai, numa daquelas noites em que os pais conversam quando as crianças dormem. Claro que sabia, sabia desde o momento em que me tinham dito que a minha princesa ia fazer o teste do suor. Respondi-lhe que éramos privilegiados, porque tínhamos a noção da fugacidade do tempo. A maior parte dos pais só quer que os filhos cresçam. Quando temos consciência de que de um momento para o outro tudo pode mudar, damos mais valor e aproveitamos devidamente o tempo junto dos que amamos. Não adiamos tanto, revemos prioridades. Na realidade todos temos o tempo contado mas como a maioria não sabe (ou não quer saber) disso facilmente ignora o que outros por via da falta de saúde têm que encarar. Saber viver devia ser ensinado nas escolas...dar valor à vida, a própria e a alheia.

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