Do ensino

O primeiro ano em que dei aulas foi o ano em que os alunos deixaram de reprovar por faltas. Por outras palavras, deixou de haver aquela questão das faltas disciplinares servirem para reprovar. O que contribuiu para aumentar a indisciplina e as faltas de respeito para com professores, no dizer de alguns colegas. Aquilo era tudo novo para mim, não tinha ponto de comparação. Estivera fora de uma secundária por quatro anos mas a realidade mudara muito, até porque os meus olhos não eram já só os de aluna mas também de professora.
As pessoas já se queixavam, mas de facto ainda havia as reduções por idade/ tempo de serviço, horário letivo (só), com menos horas, redução para quem só lecionasse secundário, etc. Naturalmente que estas coisas se destinavam aos colegas com mais tempo de serviço. Podia dizer que para os miniconcursos ficavam as turmas que sobravam, que quem era da casa não queria, mas estaria a ser injusta. Adorei os meus meninos do Pires de Lima, do Rodrigues, do Castêlo (onde pela primeira vez lecionei secundário), da Abel Salazar, de Freamunde ( uma das escolas do meu coração), de Resende, como agora do Cerco.
Mas nestes 20 anos muita coisa mudou. Tudo começou com uma certa ministra que resolveu prender alunos às salas e transformar professores em acompanhantes/ orientadores de atividades de tempos livres/ substitutos para ser mais precisa. Os alunos deixaram de poder espairecer, passear, jogar à bola ou às escondidas. Ficar a sala substituiu o "fuuuuuuuro". Com as substituições começaram as confusões entre professores. Descobriu-se a lotação das casas de banho, transbordante em momentos de atender o telefone. Houve olhares de esguelha para quem estivesse na sala de professores e não se chegasse ao telefone ( e digamos que nem todos estavam em hora de substituição), começaram as conversas sobre A, B ou C, que faltavam muito. E sim, havia quem ficasse altamente bronzeada com a doença. Mas eram casos excepcionais, que mereciam ser tratados cirurgicamente.
Adiante. Depois veio a saga dos titulares. E dos sem títulos, plebeus portanto. E as revoltas dos que não foram titulares mas deviam ter sido e se sentiram humilhados. E das avaliações de desempenho. E das cotas e das quotas. E das notas para baixo por causa das quotas. E do "eu sou excelente e tu és bom". E do " então no ano passado eu era excelente e agora sou só bom?".
A par disso mudou o sistema de gestão. Multiplicaram-se projetos. Aumentaram os tempos na escola, cresceu o trabalho e diminuíram os professores. Mais com menos. Menos que cada vez estão mais desgastados. Chega-se ao final do ano a clamar por férias. Para que em Setembro possamos regressar de novo com energia, com um sorriso e com o espírito de entrega que sabemos será necessário.
Quando comecei a trabalhar, os colegas que tinham a idade que tenho hoje e o tempo de serviço que tenho hoje estavam efetivos perto de casa há muito tempo, quase no topo da carreira e com redução da componente letiva. Parece que foi ontem, mas foi mesmo há muito tempo. Convenhamos, hoje em dia todos, tenham 30, 40 ou 50, trabalham mais e ganham menos. E quem está perto dos 60 já saiu. Uma verdadeira sangria de talentos, experiência e companheirismo (há colegas que nos fazem tanta mas tanta falta). E depois há quem, trabalhando há tanto tempo quanto eu ( ou mais), se desdobre entre várias escolas, experimentando sempre a incerteza de final de Agosto, quando acaba o contrato ( isto se este não acabar mais cedo). É por estas e por outras que me incomodam muito está PACC. Não havia necessidade de mais esta machadada num grupo sempre a ser posto em cheque. Não havia. Mas se são as marés que fazem os marinheiros, bem, a classe docente está mais é habituada a estas tempestades. A bonança há-de vir.

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