Destacamentos e outros lamentos

Há uns bons 15 anos tive uma colega destacada por problemas de coluna. Lecionava moral e dados os saltos agulha em que se equilibrava, só podia mesmo estar a fazer penitência, em versão sexy mas sofredora. Tenho colegas que meteram destacamento por questões psiquiátricas. Não conseguiam dar aulas longe mas conseguiam pertinho, e a fazer mestrado ao mesmo tempo. A mente humana é prodigiosa. Eu também não sou santa nenhuma. Quando efetivei longe, fiz o possível para arranjar uma doença. Fui ao ortopedista que me diagnosticou uns joanetes (para mim os pés continuam direitinhos, e já lá vão uns anos valentes), mandou-me fazer uns exames que me trouxeram certidão de saúde,e pronto, assim fiquei. Entretanto, lembrei-me que o motivo que me fazia querer ficar por perto (que era o mesmo que paradoxalmente me fizera concorrer para longe: a minha filha) podia ser argumento para pedir destacamento. Fazia exames mensais, com direito a ecografias e cintilografia (ou seria cintilograma)... Tratou-se da papelada. O destacamento foi aprovado mas faltava escola para onde me mandarem. Por outras palavras, lá fui para o meio dos montes, com o rio de paisagem de fundo, com um horário que era para mim o melhor possível. Tinha aulas à segunda, manhã e tarde, à terça de manhã (à uma e meia tinha o táxi à espera até à estação de comboio, e com sorte ainda apanhava a camioneta a tempo de ir buscar a miúda ao infantário). Na quarta não tinha aulas, na quinta entrava à uma e meia e saía às 11.30 (da noite), e à sexta penso que ainda apanhava o turno da manhã, tarde e noite, mais uma vez até às 11.30. O destacamento não veio, a fatura da minha ausência paguei-a durante muito tempo (e às vezes ainda ouço uns desabafos sobre uma ausência que não chegou a ser bem aceite, com um "tu abandonaste-me" a que tenho de explicar os motivos que me levaram a deixá-la com o pai e os avós) mas consegui estar mais perto no ano de entrada da mais velha no primeiro ciclo e não perder a oportunidade de efetivar. Os professores sabem o que os espera quando abraçam esta profissão, mas não são obrigados ao celibato nem estão proibidos de constituir família. Os professores passam a vida a falar da importância da família dos seus alunos, mas tem muitas vezes filhos que só vêm ao fim de semana... Por isso, os destacamentos fazem todo o sentido, e deviam ser por doença mas não só. Há doenças que surgem da ausência.

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