Quando a avó morreu era impossível pensar em vender a casa. Os avós continuavam presentes em cada recanto, em cada pormenor. A secretária do avô, com a sua máquina de escrever, os seus registos de quanto gastou na apanha da azeitona ou na descava da vinha, as suas quadras, fotografias, e até (pasme-se) um relatório final das novas oportunidades de alguma vizinha que lhe terá pedido ajuda (que o avô já não estudava nem escrevia no feminino). As ferramentas (ou o que foi restando delas) das carpinteirices com que se entretinha. As bengalas, arrumadas a um canto.E aquela sensação de o ouvir a tossicar. A avó, essa está por toda a casa. O cheiro da casa é, na nossa memória, o cheiro da avó. E é o cheiro da casa-avó que nos abraça, quente, quando entramos. Ficamos com a casa, perdê-la era perder o que restava de duas pessoas tão importantes para nós. Decisão feita com o coração porque há coisas em que não se pode pensar muito.
 A casa da avó, agora a nossa casa da aldeia, ganhou novas habitantes: andorinhas que aí fizeram ninho, num sinal de recomeço e de vida que dá ânimo à nossa chegada. As filhas pedem-nos que não mudemos nada. Gostam da casa como está. Os naperons da avó, as louças, os bibelots. À mesa, suspiram. A comida sabe melhor - lembra a da avó, dizem. Eu sorrio, sei que dificilmente igualaria a exímia cozinheira que a minha sogra foi, mas agradeço-lhes o carinho. Na aldeia só há uma televisão, na cozinha, e a net é de vez em quando, quando o pai partilha a dele, que o sinal não chega lá. Por isso, estamos mais uns com os outros, falamos mais. Pode andar-se na rua à vontade e as pessoas são mais simpáticas, cumprimentam, conversam... O ar é limpo (apesar do pó ser mais do que muito) e há mais estrelas no céu. Há duas estrelas que lá brilham mais forte. De vez em quando temos que ir, recarregar baterias, olhar para as estrelas e dizer: ainda estão aqui, connosco, através de nós que não vos esquecemos. Sempre.


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