Quando a conheci, dividia as pessoas em dois tipos: as que lhe interessavam e as outras. Com as primeiras gastava cordialidades e simpatias. As outras eram tratadas com desdém ou simplesmente ignoradas. Chegavam-lhe as que lhe interessavam para forjar uma vida social que lhe agradava e ia ao encontro de um estatuto que ambicionara desde sempre. Nem sempre possuía desafogo financeiro para acompanhar os que lhe interessavam, mas ao saber escolhê-los, acabava por beneficiar de algumas boleias. O tempo passou, e com ele a realidade foi-se transformando. Uns afastaram-se, outros passaram a vê-la de outra forma, sentiu que era, aos olhos dos que lhe interessavam, a que não interessava. Teve que rever estratégias, passar a interessar-se por quem nunca lhe interessara. Deu consigo a mendigar amizades que se traduzissem em mais do que likes das redes sociais, acabou por cobrar atenção daqueles que lhe davam menos do que achava que merecia, lembrando-lhes do que, há décadas, fizera por elas. Como se os afectos pudessem ser exigidos, como se se pudesse colher sem semear, ou sem cuidar do que se semeou. Toda a vida manipuladora, percebeu pela primeira vez que já não dominava os outros. E não percebia que, nos afetos, a única forma de voltar a receber era aprender a dar.

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