Na nossa aldeia, que Deus a proteja, já passou a procissão...

Olho para a procissão. Os cavalos a abrirem caminho, seguidos da fanfarra que faz concorrência aos foguetes com os seus bombos troantes. Vêm os andores carregados com esforço, muitos deles por mulheres vestidas de festa e descalças de penitência. Sinto-lhes o cansaço, o esforço, imagino-lhes a promessa, questiono se é Deus quem quer, se são os Humanos que não sabem o que mais fazer em hora de desespero. Recordo a minha primeira procissão, de Nossa Senhora da Saúde amuada, a protestar por que raio os outros faziam promessas e eu é que tinha que ir nas procissões. Lembro-me do medo das canas dos foguetes que passavam perto quando, anos mais tarde, ia na procissão (íamos todos os que tínhamos feito a comunhão solene, de vestidos compridos e grinaldas no cabelo) do Bom Despacho. Revejo as minhas filhas pequenas, vestidas pela avó, para irem nesta procissão de S. Bartolomeu. A procissão da festa na aldeia. Lembro-me de ter feito parte da procissão com a mais nova ao colo. Das colchas que se punham à janela, e do comentário ao dobrá-las: esta é para cobrir a minha urna, quando eu morrer. Hoje não há colchas na janela. Há noutras casas, na nossa não. Dou comigo a pensar que não estou a ver a procissão, mas tantas procissões que me povoam o pensamento. As procissões comovem-me. O sacrifício exposto entristece-me. Estou quase tentada a assumir que não gosto de procissões. Passa o pálio. Depois o S. Bartolomeu. Constato que deixaram de pendurar notas nos andores, como era prática há uns largos anos. Aí vem a banda que toca a preceito, as mangas, as meias, as gravatas a acrescentarem sacrifício, como se o calor e a inclinação da rua não fossem suficientes. Atrás seguem algumas pessoas. Se calhar as procissões fazem mais sentido quando se participa nelas, e não quando as vemos passar. E contudo, foi como se tivesse caminhado uma procissão inteira enquanto a procissão passava diante dos meus olhos. Pronto, já passou. Vai para dentro ultimar o almoço. Para o ano há mais.

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